Azevedo e Lourenco Advogados

A Importância de conhecer os Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro

A Importância de conhecer os Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro

Nada mais correto e certeiro em inaugurar nossos trabalhos na seara penal com a seguinte frase:

Garantismo não é sinônimo de impunidade, mas de punição com racionalidade e respeito às leis e à Constituição Federal. Nada mais, nada menos!! (Dra. Ana Cláudia Pinho)

Como também é muito justo compartilhar o mínimo de conhecimento sobre os Direitos e as Garantias individuais dentro do processo penal brasileiro. Para tanto, de forma resumida e didática, passamos a tecer estas breves considerações sobre este tema, no intuito apenas de levar a vocês, caros leitores, a compreensão e a valorização dos direitos e garantias individuais, ressaltando sua importância na manutenção do estado democrático de direito.

No estado democrático de direito, os direitos e garantias individuais desempenham um papel crucial na proteção da dignidade humana e na prevenção de abusos pelo Estado. No contexto do processo penal brasileiro, esses princípios garantem que qualquer pessoa acusada de um crime tenha um julgamento justo e imparcial. Este pequeno texto explora os principais direitos e garantias individuais no processo penal, à luz do estado democrático de direito.

Princípios Fundamentais

Antes de adentrar ao tema proposto, entendemos necessário balizar o conceito de princípios fundamentais. Utilizando o conceito etimológico da palavra Princípio, descrito por Aurélio Buarque de Holanda, podemos dizer que o Princípio é: “momento, local ou trecho em que algo tem origem. Proposições diretoras duma arte, duma ciência”.

Já quanto aos princípios que regem o direito processual (penal), podemos dizer que eles constituem o marco inicial de construção de toda a dogmática jurídico-processual (penal), sem desmerecer e reconhecer os princípios gerais do direito que lhe antecedem, vale dizer, os princípios estabelecem um estado ideal de coisas a ser atingido e são mais relevantes que as regras ou normas. Feitos estes esclarecimentos, passamos a ver quais são os principais princípios dentro do processo penal.

1. Presunção de Inocência

Com previsão constitucional no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, o princípio da presunção de inocência assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Este princípio evita condenações precipitadas e garante que a carga probatória recaia sobre a acusação, protegendo o indivíduo contra o arbítrio estatal.

Derivam desse princípio o ônus da prova ser de quem acusa, que tenta atrelar a autoria, a materialidade e a imputação da pena; e por outro lado a defesa tem a tarefa de tentar excluir ou diminuir a imputação penal.

A tarefa mais árdua comumente se atrela a acusação que deve trazer provas robustas e não meros indícios.

2. Princípio do In Dubio Pro Réu – Na dúvida, a favorável do réu

É um princípio implícito e decorrente da presunção de inocência, sempre que for possível duas interpretações antagônicas, uma desfavorável e uma favorável, deve-se pender para aquela que beneficia o réu.

Um longo ciclo de vingança e retribuição que alcança várias gerações de uma mesma família, mas rompido pela intervenção divina. Essa é, em resumo, a origem mítica do conceito de que a dúvida deve favorecer o réu. A origem mítica ficou registrada na Oresteia, um conjunto de três peças trágicas de Ésquilo, que datam do século V a.C. Elas contam a trajetória de Orestes, filho de Agamemnon e Clitemnestra, e o fim de um ciclo de derramamento de sangue que já atravessava gerações.

No caso, de forma bem resumida, Orestes está para ser julgado pelo crime de e para isso, a Deusa Palas de Atenas convoca 12 cidadãos, que se reúnem no Areópago, a parte noroeste da Acrópole e ao ar livre, Apolo defende Orestes, enquanto as Erínias o acusam. Os doze jurados votam, mas o julgamento termina empatado. Palas Atena, então, vota ela mesma, declarando que o empate favoreceria o réu. Por isso, aliás, até hoje o voto de desempate é chamado de “voto de Minerva” (o nome romano de Atena). A deusa declara que as Erínias devem passar a se chamar Eumênides (as “bondosas”, que dão título à peça) e zelar pelo cumprimento da lei.

Na Grécia antiga, cinco séculos antes de Cristo, o teatro tinha uma função de legitimação social. O estabelecimento de um sistema de Justiça, apesar de sua origem mítica, é chancelado e passa a efetivamente reger a vida das pessoas a partir da encenação da tragédia, com um caráter ritualístico.

Assim, a Oresteia marca a estaca zero de um pacto que alargou o horizonte emocional dos gregos, dos próprios clãs familiares para a cidade, a polis; que deu fim ao ciclo de vingança e reparação para instituir um julgamento justo, por julgadores imparciais; e que definiu que, em caso de dúvida sobre a culpa, deve-se sempre favorecer o réu, para não arcar com o preço de cometer uma nova injustiça.

3. Princípio da Legalidade

No direito brasileiro, o princípio da legalidade foi consagrado desde a Constituição Imperial, de 1824, cujo art. 179, I, já determinava que “nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de Lei”.

A mesma norma contida na Constituição de 1824 repetiu-se nas Constituições posteriores, com ressalva para a de 1937. Na atual Constituição, consta do art. 5º, II, em cujos termos “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Inúmeros dispositivos da Constituição contêm aplicação do mesmo princípio, como o art. 5º, XXXIX, pelo qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”

4. Devido Processo Legal

Também com previsão constitucional, sendo elencado no Art. 5º, LIV, da Constituição Federal, o devido processo legal assegura que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem um processo regular, conduzido conforme a lei. Ele garante que todas as fases do processo sejam conduzidas de maneira justa e equitativa, proporcionando um julgamento imparcial e com respeito aos direitos do acusado.

5. Contraditório e Ampla defesa

Princípios da mais alta importância ao direito de defesa, pois permite que o advogado a defesa refute as alegações feitas pela parte contrário, que, no caso, do processo penal, podemos apontar como sendo o Ministério Público. A cada ação tem-se o direito a uma reação, sendo ainda com paridade de armas.

O contraditório deve ser pleno e efetivo em todas as fases do processo. Com previsão constitucional no inciso LV, do artigo 5º da Constituição Federal, estes asseguram que todas as partes envolvidas no processo tenham a oportunidade de se manifestar e contestar as provas e argumentos apresentados, evitando decisões unilaterais e arbitrárias.

6. Juiz Natural

Estabelecido no Art. 5º, LIII, da Constituição Federal, o princípio do juiz natural garante que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Tem como escopo, evitar a criação de tribunais de exceção e assegurar a imparcialidade e a independência do julgamento.

O tribunal competente para julgar o crime deve ser sempre pré-estabelecido de acordo com regras claras de competência. Exemplo prático: Um juiz federal não poderá julgar um crime de competência de juiz estadual como um crime de estelionato praticado por uma pessoa comum. A sua infringência ocasionaria uma nulidade absoluta.

7. Proibição da Prova Ilícita

Previsto no Art. 5º, LVI, da Constituição Federal, este princípio proíbe o uso de provas obtidas por meios ilícitos. Serve para proteger a integridade do processo judicial e garantir que as provas sejam obtidas de maneira legal e ética, preservando os direitos fundamentais do acusado.

O Código de Processo Penal vetou as provas ilícitas ou ilegítimas. Nesse sentido utiliza-se a doutrina dos frutos da árvore envenenada (em inglês, “fruits of the poisonous tree) que é uma metáfora legal que faz comunicar o vício da ilicitude da prova obtida com violação a regra de direito material a todas as demais provas produzidas a partir daquela. Aqui tais provas são tidas como ilícitas por derivação. É o caso, por exemplo, da obtenção do local onde se encontra o produto do crime através da confissão do suspeito submetido à tortura ou realização de escutas telefônicas sem mandado judicial.

A nomenclatura surgiu de um preceito bíblico, donde uma árvore envenenada jamais dará bons frutos, vejamos:

Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós com vestes de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? Assim toda a árvore boa dá bons frutos, porém a árvore má dá maus frutos. Uma árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore má dar bons frutos. Toda a árvore que não dá bom fruto, é cortada e lançada no fogo. Logo pelos seus frutos os conhecereis.” (Mateus 7:15-20).

A lógica da terminologia é a de que se a fonte da evidência (ou a própria evidência), ou seja, se a “árvore” estiver contaminada, então tudo que for coletado (os “frutos”) estará contaminado também.

A teoria tem origem na Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso Siverthorne Lumber Co. vs. United States, em 1920, com o objetivo de coibir as provas ilícitas por derivação, a corte passou a proibir as provas lícitas contaminadas por ilegalidade. No caso, tratava-se de uma empresa que sonegava pagamento de tributos federais, onde agentes federais copiaram irregularmente os livros fiscais desta empresa como prova da fraude. Chegando-se tal fato ao conhecimento da Suprema Corte, surgiu o questionamento se os atos ilegais poderiam ser admitidos no processo como provas. A prova ilícita por derivação consiste naquela prova que, à primeira vista parece ser lícita, porém, tem seu surgimento através de uma prova ilícita anterior, ou seja, prova contaminada (derivada) por um meio de ato ilícito ou ilegal de obtenção.

Direitos do Acusado

1. Direito ao Silêncio

A garantia da não autoincriminação (Nemo tenetur se detegere) significa que ninguém é obrigado a se auto incriminar ou a produzir prova contra si mesmo (nem o suspeito ou indiciado, nem o acusado, nem a testemunha etc.).

Nenhum indivíduo pode ser obrigado, por qualquer autoridade ou mesmo por um particular, a fornecer involuntariamente qualquer tipo de informação ou declaração ou dado ou objeto ou prova que o incrimine direta ou indiretamente.

O princípio nemo tenetur se detegere refere-se ao direito possuído por todo acusado de não cooperar com a persecução penal contra ele instaurada, abstendo-se de fornecer meios de prova que possam contribuir para a sua incriminação. Tal princípio é originário do Ius Commune europeu e encontra seu equivalente no Sistema Jurídico da Common Law, através do privilege against self-incrimination. Trata-se de uma conquista da defesa técnica, pois restou consagrado, tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos da América após o esforço incansável dos advogados, que repudiavam a prática arbitrária do juramento ex officio bem como a presunção de que o silêncio do acusado produzia prova de sua culpabilidade.

Também é corolário do abandono do sistema inquisitório e adoção do modelo acusatório. Acima de tudo, o princípio faz parte da humanização do direito penal e do processo penal, antes centrado no indivíduo como objeto e meio de prova, o que permitia a prática da tortura e penas cruéis.

2. Direito ao Advogado (Direito de defesa)

O crime nasceu no primeiro momento da humanidade. Com o homem, surgiu o delito. Os filhos de Adão e Eva foram autor e vítima do primeiro homicídio – Caim matou Abel. Motivo: a inveja, mal secreto, o pior dos pecados capitais.

E Deus, antes de punir Caim, assegurou-lhe o direito de defesa:

E disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?

E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra.” (Gênesis, 4, 9 – 10)

Assim, naquela primeira tragédia humana, inaugurou-se o direito de defesa. Sêneca, três séculos antes de Cristo, já afirmava que ninguém pode ser julgado sem antes ser ouvido.

O direito à assistência de um advogado é fundamental em todas as fases do processo. Este direto visa garantir que o acusado tenha a devida orientação jurídica, assegurando a plena defesa e a proteção de seus direitos.

3. Direito à Prova

O acusado tem o direito de produzir provas em sua defesa e de contestar as provas apresentadas contra ele. Dá ao acusado o direito à paridade de armas no processo, permitindo que o mesmo tenha uma defesa efetiva e justa.

4. Direito à Comunicação

O direito do preso de se comunicar com sua família e advogado é garantido, especialmente no momento da prisão. Garante a proteção contra desaparecimentos forçados e abusos, mantendo o acusado em contato com seus entes queridos e com assistência jurídica.

O Estado Democrático de Direito

No estado democrático de direito, a justiça penal deve ser conduzida com estrita observância dos direitos e garantias individuais. Esses princípios e direitos não são meras formalidades, mas sim salvaguardas essenciais para a manutenção da liberdade e da justiça. As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) têm reforçado constantemente esses preceitos, assegurando que o processo penal brasileiro respeite os padrões de equidade e legalidade.

Conclusão

Os direitos e garantias individuais no processo penal são pilares fundamentais do estado democrático de direito. A presunção de inocência, o devido processo legal, a ampla defesa e contraditório, o juiz natural e a proibição da prova ilícita são princípios que asseguram um julgamento justo e imparcial. Além disso, os direitos do acusado, como o direito ao silêncio, ao advogado, à prova e à comunicação, são essenciais para a proteção da dignidade humana e a prevenção de abusos pelo Estado. É fundamental que o sistema de justiça penal continue a valorizar e proteger esses direitos, garantindo a justiça e a equidade para todos.

Referencias Bibliográficas:

Bíblia Sagrada

<https://www.pucrs.br/direito/wp-content/uploads/sites/11/2016/09/laura_figueiredo_2016_1.pdf> Consultado em 12/08/2024

<https://www.conjur.com.br/2022-jan-11/web-story-resgata-origens-miticas-in-dubio-pro-reo/> Consultado em 12/08/2024

<https://www.jusbrasil.com.br/artigos/caim-e-abel-e-o-direito-de-defesa/473535852#:~:text=E%20Deus%2C%20antes%20de%20punir,eu%20guardador%20do%20meu%20irm%C3%A3o%3F> Consultado em 24/08/2024

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Doutrina_dos_frutos_da_%C3%A1rvore_envenenada> Consultado em 12/08/2024

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