Azevedo e Lourenco Advogados

Para o Tribunal Superior do Trabalho, COVID-19 que matou trabalhador é Doença Ocupacional

covid-19 é considerado doenca ocupacional

No caso, uma empresa de ônibus já tinha sido condenada a pagar uma indenização para a viúva de um motorista de ônibus que morreu de COVID-19.

Inconformada, a empresa interpôs recurso perante o Tribunal Superior do Trabalho questionando a decisão do Tribunal Regional. Em seu recurso, a empresa de ônibus, questionou sobre a responsabilidade civil pelo óbito do motorista no seguinte sentido “o ponto a descortinar a questão é: ‘as empresas de transportes públicos se equiparam as empresas da área da saúde, como hospitais, para fins de responsabilidade decorrente de contágio do coronavírus?”

Na análise, sobre o tema da responsabilidade civil, ficou demonstrado, no curso do processo que foram apresentados detidamente os fundamentos que serviram de suporte fático-probatório e jurídico para formação do convencimento acerca da controvérsia, ou seja, o nexo causal (relação de causa e efeito entre dois eventos, ou seja, a ligação entre uma conduta e o resultado que ela provoca).

A partir deste ponto, a responsabilidade civil da reclamada foi classificada como sendo objetiva e a tese jurídica firmada no Tema 932 da Repercussão Geral corroborou esse entendimento. No mesmo sentido, dadas as características do caso (nexo causal), ficou determinado ainda que a responsabilidade civil da empresa de ônibus também se configura sob a ótica da responsabilidade subjetiva, em razão da ausência de adoção de medidas específicas de anulação do risco a que o empregado se encontrava submetido.

A partir de então, passou-se a análise dos dispositivos legais aplicáveis ao caso, de forma a dar embasamento jurídico ao direito da viúva. No caso, considerou-se que, no plano constitucional, o art. 7º, XXVIII da CF/88 assegura aos trabalhadores urbanos e rurais seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa. E neste ponto, houve a aplicação do artigo 186 do Código Civil, conjuntamente com o artigo 927, do mesmo Código. Por fim, ponderou-se que o dano, na hipótese de acidente do trabalho, pode ser de ordem moral, isto é, quando atinge direitos personalíssimos do trabalhador, aqueles atinentes à sua integridade física, saúde, segurança, dentre outros, ou de ordem material, como a redução/eliminação da capacidade laborativa, impedindo que continue exercendo suas funções ou, mesmo, readaptando a outras atividades. Logo, para caracterização da responsabilidade subjetiva aquiliana, são necessários os seguintes elementos: conduta comissiva ou omissiva; dano; nexo de causalidade entre o dano e a conduta; e culpa ou dolo do agente causador do dano.

No que tange ao conceito de acidente de trabalho, a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, considerou o prescrito no artigo 19 da Lei 8.213/91, o qual prescreve: “Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.

Para tanto, e em razão da dificuldade de formular um conceito normativo que abarque todas as hipóteses em que o desempenho das atividades funcionais ocasiona incapacidade laborativa, o legislador previu outras hipóteses que se equiparam ao acidente de trabalho típico para todos os fins legais. Acerca do tema, o Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira abarca as situações previstas na legislação previdenciária em quatro espécies de acidente de trabalho, quais sejam o acidente típico, a doença ocupacional, o acidente de trajeto e o acidente sem CAT registrada

Assim sendo, a doença ocupacional, equiparada a acidente de trabalho para fins previdenciários, é conceituada como aquela “produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social.”

Vencidos pontos acima, o Tribunal ainda enfrentou a questão acerca do tema COVID-19 no que tange quanto a sua caracterização como doença

ocupacional, fazendo uma análise sobre o art. 29 da Medida Provisória 927/2020, o qual previa que “os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.”

Para tanto, relembrou que houve a determinação da suspensão de sua eficácia pelo STF em medida cautelar concedida no bojo da ADI 6830, inclusive fazendo menção ao voto vencedor do Ministro Alexandre de Moraes, no seguinte sentido: “…. Assim, como assentado no julgamento das ADIs 6.342, 6.344, 6.346, 6.348, 6.349, 6.352 e 6.354, o texto do art. 29 da MP 927/2020, ao praticamente excluir a contaminação por coronavírus como doença ocupacional, tendo em vista que transfere aos trabalhadores o ônus de comprovação, destoa, em uma primeira análise, de preceitos constitucionais que asseguram direitos contra acidentes de trabalho (art. 7º, XXVIII, da CF). A norma, portanto, não se mostra razoável, de forma que entendo presentes os elementos necessários para a concessão de medida liminar. (…)

Também trouxe a orientação do Exmo. Ministro Luís Roberto Barroso, na mesma ação acima, onde o mesmo pontuou, em linhas gerais que, atribuir ao empregado o ônus probatório alusivo ao liame causal entre as atividades laborais e o contágio pelo SarsCov-2, configura, em última instância, exigência de “prova diabólica”, em razão da virtual impossibilidade de precisar onde e em que circunstância a doença foi adquirida.

Em linhas gerais, no caso apreciado pelo Tribunal, ficou devidamente comprovado que a “causa mortis” do familiar da autora foi a Covid-19, conforme se verificou da certidão de óbito. No desempenho de suas atribuições, motorista cobrador de ônibus de transporte coletivo, o falecido conduzia o veículo e efetuava a cobrança da passagem de cada um dos passageiros que ingressavam no ônibus por ele conduzido. Ainda que se considere a quantidade reduzida de passageiros a cada viagem informadas pelo preposto da reclamada (40 passageiros a cada uma das três viagens realizadas todos os dias), tem-se que o trabalhador mantinha contato direto com quase 3 mil pessoas ao longo de quatro semanas. Não se pode descurar, ainda, que o falecido realizava o transporte público de passageiros durante o período mais crítico da pandemia da Covid-19, com registro oficial de 3.541 mortes em um único dia (29/03/21), inclusive em regime de sobrelabor, o que permite concluir que a quantidade de passageiros que ingressavam no veículo conduzido pelo empregado ainda maior do que a anteriormente destacada, pois a linha de ônibus realizava o transporte, em determinados horários, à UPA Norte de Betim/MG.

Registrou-se de forma inquestionável que o risco de contaminação do empregado falecido foi extremamente mais acentuado do que se verifica em relação aos demais membros da coletividade. Em razão disso, foi possível concluir, à luz das peculiaridades do caso, que a Covid-19 contraída pelo empregado falecido se qualifica como doença ocupacional. Sob tal ótica, uma vez constatada a natureza ocupacional da patologia que culminou na morte do empregado, mostrou-se caracterizado o liame causal entre as atividades laborais e o dano (óbito do trabalhador).

E com base nestes fatos, bem como, em todo o arcabouço jurídico aplicável ao caso, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, manteve a condenação da empresa de ônibus ao pagamento de indenização à viúva do motorista.

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